sexta-feira, 21 de agosto de 2015

TEMPO

Não temos tempo, temos saudade,
amamos em intervalos cruzados,
entre a ausência e a ocasião,
determinadas pelo acaso
que corre sempre veloz.

Mas, quando estás,
o teu corpo é o meu também
porque ambos cabemos num só.
E após saciada a saudade
o tempo somos só nós.

SS

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Um amigo


ERA UMA VEZ UM AMIGO
Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neill

            Conhecemo-nos pouco depois do Natal de 1987. A minha mãe morrera dias antes e eu estava desfeita. No intuito de me animarem, as minhas filhas trouxeram-mo de presente. Era uma coisa pequenina que não sabia sorrir, mas tinha um olhar tão limpo que encheu o meu coração de carinho. Ofereci-lhe logo a casa da minha ternura e inauguramos a palavra amigo. Melhor dizendo, tornei-me uma espécie de mãe daquela coisinha doce que cabia na palma da minha mão, que mal sabia andar ou pedir ajuda. Esse momento marcou a entrada do Willie na nossa vida. O Willie, que alguns dos meus leitores conheceram, era um cão, melhor dizendo, um senhor cão, apesar da sua condição de rafeiro, que desde que chegou se tornou o dono de todos nós pois todos passamos a viver em função dele. Vigiámos-lhe as tentativas de latidos e aplaudimos a primeira vez que ladrou. E a festa que fizemos quando ele conseguiu subir um degrau! Era uma bolinha de pelo preto, com o peito branco sarapintado e umas minetes brancas nas patas da frente. Filho e irmão de perdigueiros, herdou os genes de uma avó ou avô de raça diferente porque se distinguia da restante família pela cabeça bastante semelhante à de um lavrador. À medida que cresceu foi-se modificando. Recebemo-lo exactamente com um mês e viveu connosco 18 anos e 5 meses. Partiu como chegou: rodeado pelo nosso amor. Esse período de convivência é que me fez lembrar o poema do Alexandre O’Neill. Ele diz tudo o que eu gostaria de ser capaz de dizer. Ele era o contrário do inimigo. Afagava-nos com os olhos e, às vezes, com a língua. Qual sombra, seguia-nos por todo o lado, sobretudo ao meu marido e netos, que viu nascer e crescer, e que pelo prazer que lhes proporcionava foi motivo para eles desejarem um amigo semelhante. Com ele nunca estávamos sozinhos. Se alguém estava doente ele copiava a postura e só abandonava a cama quando o médico entrava para verificar que vinha em paz. Olhava-nos quando falávamos e entendia tudo quanto dizíamos, sobretudo quando lhe interessava, como quando na conversa surgia a palavra “rua” ou “passeio” ou “carro”. Saía disparado e era o primeiro a chegar à porta. Lembro-me que uma vez, em que queríamos sair sem ele, falámos francês entre nós os dois para que não compreendesse, mas não adiantou nada: saiu orgulhosamente á nossa frente. Grande gastrónomo, esperava sempre que acabássemos de comer para ver se lhe tocava algum petisco esquecido num prato ou guardado para o efeito. Viajante experiente, era um óptimo companheiro de jornada. Julgo que poucos acontecimentos familiares terá perdido. Talvez só aqueles interditos a caninos. Tinha ritos próprios que nos impôs e habituou-se a outros nossos. Essas rotinas juntamente com a sensação da humidade do seu focinho, do sedoso do pelo que nos oferecia para que o acariciássemos e do olhar fiel e frontal são agora apenas momentos de saudade. Viver com o Willie foi um privilégio, uma agradável tarefa, uma convivência feliz, mas sobretudo uma grande festa.

        

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

CAIU A TARDE

Caiu  a tarde, amor,
e não te vi.
Senti-te na brisa
que passou
mas não arrefeceu o calor.

Caiu a tarde, amor,
e esperei-te.
Mas não vieste.
Quando pensares em não voltar
diz na véspera, por favor.

GM


sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Véu de noiva

Adoro o mar. Então ver ali um por do sol dá-me uma paz enorme. Nunca gostei muito de praia. Talvez isso tenha a ver com o facto de em pequena ter sido obrigada a fazer religiosamente praia, por motivos de saúde, com um horário rígido estabelecido pela minha mãe. Quando fui mãe, lá levei as crianças para a praia e até elas passarem a ir sozinhas foram anos de sacrifício. Há um mês atrás voltei a ele. de uma consulta médica trouxe como receita médica passeios pela orla do mar e sol com iodo. E lá vou eu todas as manhãs de cesto fazer a minha obrigação de 2 horas ( que eu vou reduzindo aproveitando a justificação do vento que passa e incomoda). Espero que este sacrifício se traduza num inverno saudável, para esquecer o do ano passado.
Apesar de tudo continua a adorar o mar mas... gozado de uma esplanada abrigada com um vinho branco fresquinho e uma boa conversa com amigos.
Contudo há outro pormenor marítimo que desde criança eu gosto muito: Resido numa zona de porto de mar, numa cidade que já viveu dependente essencialmente da pesca. A nossa entrada na UE mudou esta situação. Reduziu-se o número de barcos de pesca, desapareceram quase os pescadores (muitos dos quais emigraram) e a indústria de conservas ficou limitada a meia dúzia de fábricas. Parece contudo que a situação está a dar uma volta para melhor. E com esta conversa, ainda não cheguei ao que quero dizer com o título deste texto: Véu de Noiva. Dos momentos mais belos que alguém pode ter quando está nas nossas praias são os do regresso dos barcos de pesca à doca, quando vêm cheios de pescado. É que em volta deles vem sempre uma nuvem de gaivotas que se estende sobre a água e o barco qual véu de noiva em dia de vento. E como os barcos entram por vezes quase em fila, há milhares de véus a esvoaçarem sobre a água. Hoje de manhã tive um momento assim. Valeu pois o sacrifício que fiz por ter estado na praia.