segunda-feira, 23 de abril de 2012

DIA DO LIVRO

Parei.
Olhei para o livro na vitrina.
Tinha cores e palavras. 

E muitas folhas.

Entrei.
Folheei.
Pensei em Pessoa e discordei.
Definitivamente
Livros não são só papéis pintados com tinta.

O livro que me prendeu o olhar
era de papel, certamente

cores na capa, escrita preta.
Nisso estava certo o poeta.
Porém,
o correr da inspiração
a necessidade poética
ou até a distração
enganaram-no ao pensar.

Falta ali acrescentar:
cada livro é um ser

que enamora quem o lê.
Tem um cheiro especial
que nos veste por inteiro.
E sempre que lhe tocamos,
de forma particular,
é sensual como os corpos
quando se deixam amar.


GM

domingo, 22 de abril de 2012

DIA DA TERRA

Se Eu Pudesse Trincar a Terra Toda

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXI"

quarta-feira, 18 de abril de 2012

ANTERO DE QUENTAL: 18 DE ABRIL DE 1841 / 11 DE SETEMBRO DE1891

IDÍLIO

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

Antero de Quental, in "Sonetos"

quinta-feira, 12 de abril de 2012

PORTO DE LEIXÕES - O TITÃ DO MOLHE SUL

A pacatez da hora de almoço em Matosinhos foi hoje interrompida por uma explosão seguida de incêndio no molhe sul, o que separa o Porto de Leixões com a Praia de Matosinhos. A causa do acidente esteve na queda de uma parte de um guindaste - o Titã pequeno- sobre uma conduta de gás. No acidente morreu um operário e ficou gravemente ferido outro. Infelizmente não são as primeiras vítimas desta relíquia de maquinaria do século XIX. O Porto de Leixões foi construído no 3º quartel do séc. XIX ( para substituir as cargas e descargas e desembarque de passageiros que se faziam no Rio Douro porque, devido ao assoreamento da barra da Foz, elas se tornavam difícieis quando não impossíveis ou trágicas). O meu amigo Joel Cleto falará disto muito melhor do que eu, certamente. A pedra utilizada para a obra dos dois molhes que constituem o porto de Leixões, foi trazida das pedreiras de S. Gens, Senhora da Hora, por comboio, por linha férrea para o efeito construída.  Toda essa pedra foi colocada no seu devido lugar por duas gruas gigantescas. A maior, o Titã grande, estava no molhe norte, ou seja do lado de Leça. O mais pequeno, o Titã pequeno, foi o meio de construção do molhe sul, do lado de Matosinhos. Durante esta obra muitos operários perderam a vida. O acidente de hoje foi causado justamente por este último. Por razões operacionais ligadas à localização do terminal de cruzeiros, e porque se encontrava em grave estado de deterioração, a APDL mandou desmontá-lo para o mudar de sítio e restaurar.A queda da parte da grua deu-se exactamente num momento deste processo. Espero que seja possível a sua recuperação na medida em que ele faz parte da nossa paisagem marítima. 

domingo, 8 de abril de 2012

PÁSCOA NA ALDEIA

Minha aldeia na Páscoa...
Infância, mês de Abril!
Manhã primaveril!
A velha igreja.
Entre as árvores alveja,
Alegre e rumorosa
De povo, luzes, flores...
E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
Rasgados pelo sol os negros véus.
Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores.
Ressurreição de Deus! (...)
Em pleno azul, erguida
Entre a verde folhagem das uveiras.
Rebrilha a cruz de prata florescida...
Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
Ei-lo que entra contente nos casais;
E, com amor, visita as rústicas choupanas.
É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
As grandes alegrias sobre-humanas.
Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
Linda manhã, canções de passarinhos!
A campainha toca: Aleluia! Aleluia! (...)
Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
E mães, acalentando os filhos no regaço.
Esperam o COMPASSO...
E, ajoelhando com séria devoção.
Beijam os pés da Cruz.

Teixeira de Pascoaes