quinta-feira, 23 de junho de 2011

S. JOÃO DO PORTO


S. João, a festa do povo

Longe de qualquer tradição religiosa, o S. João é o cheiro a gente, a poesia popular e a paixão eternizada pelo erotismo dos cravos, outrora oferecidos às raparigas.
As ruas enchem-se de transeuntes que, em ritmo de passeio, aproveitam para dar uma ou outra martelada na cabeça do vizinho, mas poucos são aqueles que conhecem as verdadeiras origens do S. João, no qual a sardinha assada não é rainha.



Ver o sol nascer, apanhar as orvalhadas e saltar às fogueiras”

As verdadeiras origens da festa estão intimamente ligadas ao culto do sol, da natureza, do fogo e da fecundidade. Segundo Hélder Pacheco, as referências às festas de S. João começaram a sentir-se nitidamente no século XIX. “A cidade era, então, mais pequena”, recorda, explicando que, na altura, o S. João consistia em três festas: uma no Bonfim, uma na Lapa e outra em Cedofeita.
Ainda assim, rapidamente se transformou numa “festa de ruas, ruelas e bairros”. Hélder Pacheco contou até que estão arquivados, na cidade, centenas de milhares de pedidos de autorização para a realização de arraiais, nos mais diversos sítios.
Apesar de, atualmente, o cheiro a sardinhas assadas ser um dos odores mais fortes do S. João, “o prato típico era o anho ou o cabrito assado com batatas”. “A sardinha nada tem a ver com a tradição do S. João do Porto. É a feira popular que a adiciona à festa”, garantiu. O historiador revelou ainda que, no espírito original da festividade, “o S. João é ver o nascer do sol, apanhar as orvalhadas e saltar às fogueiras”, ações ligadas aos cultos da natureza e da fertilidade. De salientar ainda a forte presença do culto das plantas, que atribuiu uma simbologia a cada uma delas. “O alho porro transformou-se num protetor e o cravo, por exemplo, era oferecido pelos homens às mulheres, tendo um significado erótico”, contou Hélder Pacheco.

“O S. João nunca foi uma festa católica”.

 

Nota de Gaivota Maria
A substituição dos alhos porros pelos martelos de plástico afastaram muita gente da cidade. Essa é uma das causas que explicam que os mais tradicionalistas tenham optado hoje por festas particulares. Contudo alguns resistem e juntam-se à geração que conheceu a festa já com os ditos e malditos martelos e todos enchem as ruas completamente acabando na Ribeira para ver o fogo de artificio.

Errado é também pensar que esta festa, de cores, cheiros e sabores, apresenta uma base religiosa, em homenagem a um santo. “O S. João nunca foi uma festa católica”, explicou, à Viva, o historiador Hélder Pacheco. “É uma festa pagã, dedicada ao solstício de Verão”, acrescentou, frisando que, ao contrário do que se podia ler numa campanha espalhada pela cidade do Porto, o S. João não tem 100 anos. “As referências [à festa] são da Idade Média. Já Fernão Lopes falou do S. João. O que se verificou há 100 anos foi a escolha do feriado”, apontou Hélder Pacheco.
O historiador explicou, então, que a Igreja, “muito habilmente”, fez coincidir a festa do nascimento de S. João Baptista com a data do solstício”, de modo a atribuir-lhe um cariz religioso.



O arraial nas Fontainhas

Já no fim do século XIX, começou a ser organizado um arraial de S. João nas Fontainhas, “que se confundiu, durante algum tempo, com o S. João do Porto”. “Havia uma fonte onde, segundo a tradição, as pessoas iam beber água, molhar o rosto e as mãos e onde, no fim, entravam mesmo, em representação do culto das águas”, contou o investigador das tradições populares do Porto.
Entre as décadas de 20 e 30, a comissão organizadora da festa nas Fontainhas adquiriu “a um sargento do regimento de Coimbra as figuras da cascata”, que se converteu numa grande tradição. “De Gaia vinham multidões para ver o S. João no Porto. A ponte até abanava com as dezenas de milhares de pessoas que vinham de Gaia”, declarou o investigador.

Nos anos 40, a autarquia decidiu constituir uma comissão para organizar a festa, que se juntou aos arraiais dos bairros e das ruas. Só na década seguinte é que as multidões começaram a concentrar-se na baixa da cidade, sendo que a passagem pelas Fontainhas era sempre obrigatória.

Uma festa de “gente ordeira”

Hélder Pacheco consegue identificar no S. João dos nossos dias a “folia” da festa de antigamente. Ainda assim, aponta o historiador, “o S. João nunca foi de cervejolas nem de pancada, era de gente ordeira”, pelo que considera que a festividade se degenerou. “Podia ser uma das grandes marcas da cidade, devia ser internacionalizado”, defendeu.
Ainda assim, apesar de alguns não saberem, ao certo, o que estão a festejar, é com despreocupação e alegria que as avenidas, largos e vielas do Porto se enchem para aquela que é a festa da espontaneidade e do povo.



Texto: Mariana Albuquerque
Fotos: Rui Oliveira

 Nota de Gaivota Maria


Um dos elementos fundamentais da festa de S. João no Porto são as "cascatas" que os autores acima não referem. Aqui deixo a sua lembrança para memória futura:
AS CASCATAS SÃOJOANINAS


Foi no século XIX que apareceram as primeiras cascatas no Porto. De acordo com o historiador da cidade do Porto, Hélder Pacheco, “o pai e a mãe das cascatas foram os presépios, que surgiram em Portugal nos finais do século XVIII”. “Antigamente”, explica o historiador, “pegava-se num presépio, substituia-se a sagrada família e os reis magos pelos santos populares e tínhamos uma cascata”.

Com o passar dos anos, o número de cascatas espalhadas pela cidade foi diminuindo. “Enquanto que o concurso dos presépios, que a Câmara organizou teve oitenta inscrições, o concurso das cascatas teve apenas 26. A minha grande dúvida é se no dia em que a Câmara deixar de patrocinar o concurso, não vai haver uma queda livre do interesse em fazer as cascatas”, alerta o historiador.

Hélder Pacheco justifica o número reduzido de cascatas que vão a concurso com a diminuição da população no centro da cidade. “Não pode haver festa, alegria ou cascata sem comunidade, sem gente. Com a centrifugação dos portuenses, as cascatas desaparecem. Sem gente não há nada”, afirmou.


Anabela Couto e Hugo Manuel Correia, JPN – Jornalismo Porto Net, 23-6-2005

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