terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

OS CONVENCIDOS DA VIDA

Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.

Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"

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2 Comentários:

Às 24 de fevereiro de 2010 às 21:22 , Anonymous Anónimo disse...

Chissa!!!!!!Eu estava convencida que percebia alguma coisa desta máquina mas hoje isto encravou nem uma letra eu consegui escrever.Valeu -me a Rita. Já ando danada com o tempo e agora esta falha!!!O teu bem amado está atento a tudo, mas só aparece quando quer.E tu sempre distante.Ele vai lendo as poesias, já não é nada mau.
ó Gabion, vá abanando as peninhas que sua gaivota um dia vai cedar.

G.MIMI

O

 
Às 25 de fevereiro de 2010 às 14:47 , Blogger Gaivota Maria disse...

Estás proibida de falar do tempo! Esta pronta para te desafiar a irmos amanhã à Corrente d'Escritas, mas recuso-me a sair perante as previsões para o tempo de sexta e sábado. Logo se verá.
O Gabión é atento. Só ainda não percebeu que eu não sou material para ser abordado esporádicamente. Gosto da frequência, da regularidade... Por isso eu aguardo para ver se ele abana mais as asas por esta praia.

 

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