quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A POESIA É COMO AS CEREJAS

Ontem falei aqui de Fernando Pessoa a propósito do estudo que tive que fazer da Mensagem com a minha neta mais nova. E esqueci-me de vos dizer que está a decorrer em Lisboa um Congresso Internacional sobre o poeta e que encerra as comemorações do seu nascimento há 120 anos. À noite, quando fui para a cama, levei comigo a minha especial edição da Mensagem, a que comprei para as minhas aulas de Literatura no Carolina Michaëlis, em 1961. E, na calma nocturna, estive a reler algumas das poesias. E fui-me lembrando da situação política em que o poeta viveu e que o levaram àquele olhar sobre Portugal. É uma visão de pessimismo que ele tentou contrabalançar com a promessa (pequena janela de esperança) de um Novo Império. Mal ele sabia que 100 anos depois a situação se manteria. Nem o Encoberto voltou, nem se construiu um novo Império. Antes pelo contrário: continuamos na bruma da indecisão e o Império...puff!!! E a este atropelo em que vivemos chama o regime Liberdade. Se eu pudesse, punha os políticos todos a copiarem 100 vezes (castigo perfeitamente anti-pedagógico neste país onde a glória da formação pertence aos diplomados pelas novas oportunidades) a noção pessoana de Liberdade. Para algum voluntário que queira redimir-se aqui a deixo mais abaixo. Esta sim, é uma Liberdade que não fere ninguém porque "o melhor do mundo são as crianças..."

LIBERDADE

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!

Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...

Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto

É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

CONSTATAÇÃO... muito triste

Hoje a minha neta, que frequenta o 12º ano, veio estudar comigo a Mensagem, de Fernando Pessoa. Confesso-vos que embora ache que até percebo alguma coisa do assunto, não foi fácil. Esta geração não tem um conhecimento adequado da História de Portugal para poder entender o conteúdo daquela obra. Nem sei mesmo se a professora da disciplina o terá, dadas as dificuldades que a pequena apresentava. Mais do que um conjunto de poemas, a Mensagem é o nosso Bilhete de Identidade. Ela traça o percurso de um país pequenino que foi muito grande porque teve homens muito grandes que levaram um povo, que há muitos séculos era o rosto com que o Ocidente olhava o mar, a passar para lá da distância e a dar novos mundos ao mundo. Apesar de feita esta frase é uma realidade. E à medida que eu ia estudando com a minha "aluna do dia" ia confirmando não só o aspecto analítico do conteúdo dos poemas, mas sobretudo a sua evolução para o profético.
"Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal"
E do profético saltei para o da constatação. Pensemos nas últimas semana! Que Portugal temos hoje? Que Portugal vamos deixar para as gerações futuras? A poesia que se segue ajudar-vos-á a meditar.
Que assim o façam também os nossos actuais "pequenos" governantes

NEVOEIRO in Mensagem

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!

Fernando Pessoa

terça-feira, 25 de novembro de 2008

EÇA DE QUEIROZ - Dia de aniversário


Se fosse vivo, Eça de Queiroz cumpriria hoje 168 anos. Ele é, sem dúvida nenhuma, o meu maior autor de culto. Por isso aqui vos deixo uma foto da Tormes que ele tão bem descreve. É um pouco do seu primeiro contacto com aquela terra, cujo verdadeiro nome é S. Cruz do Douro. A fotografia foi tirada do meu terraço que fica exactamente por cima da estação onde ele desembarcou. Só não se vê a dita gare, porque as árvores impedem-no durante o verão. Mas fica a meio da foto, perto do rio, no sítio em que há uma falha de árvores lá no fundo, olhando a partir do meio dos pés da videira.

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DESCRIÇÃO DA CHEGADA A TORMES

E não tardaram a aparecer no córrego, para nos levarem a Tormes, uma égua ruça, um jumento com albarda, um rapaz e um podengo. Apertamos a mão suada e amiga do Pimentinha. Eu cedi a égua ao senhor de Tormes. E começamos a trepar o caminho, que não se alisara nem se desbravara desde os tempos em que o trilhavam, com rudes sapatões ferrados, cortando de rio a monte, os Jacintos de século XIV! Logo depois de atravessarmos uma trêmula ponte de pau, sobre um riacho quebrado pôr pedregulhos, o meu Príncipe, com o olho de dono subitamente aguçado, notou a robustez e a fartura das oliveiras... - E em breve os nossos males esqueceram ante a incomparável beleza daquela serra bendita!

Com que brilho e inspiração copiosa a compusera o divino Artista que faz as serras, e que tanto as cuidou, e tão ricamente as dotou, neste seu Portugal bem-amado! A grandeza igualava a graça. Para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão copados e redondos, dum verde tão moço, que eram como um musgo macio onde apetecia cair e rolar. Dos pendores, sobranceiros ao carreiro fragoso, largas ramarias estendiam o seu toldo amável, a que o esvoaçar leve dos pássaros sacudia a fragrância. Através dos muros seculares, que sustêm as terras liados pelas heras, rompiam grossas raízes coleantes a que mais hera se enroscava. Em todo o torrão, de cada fenda, brotavam flores silvestres. Brancas rochas, pelas encostas, alastravam a sólida nudez do seu ventre polido pelo vento e pelo sol; outras, vestidas de líquen e de silvados floridos, avançavam como proas de galeras enfeitadas; e, de entre as que se apinhavam nos cimos, algum casebere que para lá galgara, todo amachucado e torto, espreitava pelos postigos negros, sobre as desgrenhadas farripas de verdura, que o vento lhe semeara nas telhas. Pôr toda a parte a água sussurrante, a água fecundante... espertos regatinhos fugiam, rindo com os seixos, de entre as patas da égua e do burro; grossos ribeiros açodados saltavam com fragor de pedra em pedra; fios direitos e luzidios como cordas de prata vibravam e faiscavam das alturas aos barrancos; e muita fonte, posta à beira de veredas, jorrava pôr uma bica, beneficamente, à espera dos homens e dos gados... Todo um cabeço pôr vezes era uma seara, onde um vasto carvalho ancestral, solitário, dominava como seu senhor e seu guarda. Em socalcos verdejavam laranjais rescendentes. Caminhos de lajes soltas circundavam fartos prados com carneiros e vacas retouçando: - ou mais estreitos, entalados em muros, penetravam sob ramadas de parra espessa, numa penumbra de repouso e frescura. Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze casebres, sumidos entre figueiras, onde se esgaçava, fugindo do lar pela telha vã, o fumo branco e cheiroso das pinhas. Nos cerros remotos, pôr cima da negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espelhava alegria e força. Um esparso tilintar de chocalhos de guizos morria pelas quebradas...

Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava:

-Que beleza!


EÇA DE QUEIROZ

(Excerto da "A Cidade e as Serras) - a Chegada a Tormes

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

PEDRA FILOSOFAL

ANTÓNIO GEDEÃO - FARIA HOJE 102 ANOS


Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, que entrou para as Letras portuguesas sob o pseudónimo de António Gedeão, nasceu em Lisboa em 24 de Novembro de 1906 e ali morreu em 19 de Fevereiro de 1997
Foi professor, pedagogo, investigador de História da Ciência em Portugal e divulgador da ciência. Mas o modo como é mais recordado é na sua vertente de poeta. A ele devemos, entre muitas outras a impressionante "Pedra filosofal" e a realística "Lágrima de Preta"

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

ESTRANHO É UM AMOR

Estranho é um amor
Quando feito
De encontros e desencontros
Ausências e presenças
Silêncios e palavras.

E mais estranho ainda
Quando vive nas almas
E não nos corpos
Que servem apenas de disfarce
Aos muitos sentimentos
Partilhados, mas escondidos.

Talvez porque é singular
Gostaria de viver um amor assim

Se ele fosse para sempre
E mais um dia.


im

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Para a im ler ouvindo o bolero de RAVEL - bailado do filme "Les uns et les autres"

Para a (im),ler ouvindo o bolero de RAVEL-bailado ... do filme"les uns et les autres"

OLHA...

São gaivotas
Amiga
São gaivotas
Em voos rasantes
Sobre um céu vermelho
Deslumbrante
São gaivotas
Amiga
São gaivotas
Chamando por nós
Vem
Vem ver
Este fim de dia de outono
Derramando esta luz
Que nos aquece a alma
E nos une neste poema
Olha
Como elas
Nos cercam
Em voos
Apertados
Cada vez
Mais
Mais
Até que
Numa apoteose
De cor
Nos afogamos
No mar tingido de
Vermelho

mc

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

UMA DAS MINHAS MÚSICAS DE CULTO - AL DI LA

RESPOSTA A PERGUNTAS QUE ME TÊM FEITO

O meu tempo
Tem andado espartilhado
Entre deveres a que me obrigam
E prazeres que me apetecia cultivar.


E é que nem me deixam fazer uma escolha.
Exigem o que não me apetece,
Que me irrita
E me dá trabalho,
Com vozes adocicadas de persuasão
Convencendo-me da minha obrigação
E que, sem mim,
Se perde a honra do convento.

Contudo não me tiram o sono
Porque esse é todinho meu.
Serve-me para imaginar
Que a vida é bela,
Que está sol ,
Que corro pela praia,
Que convivo com amigos
Os que vejo todos os dias
Ou os que de longe me lembram a sua presença.



Para voltar à rotina
De ser dona do meu tempo,
Em cada manhã que nasce
Corto uma fita ao espartilho.
E quando cair o último
Soará a liberdade.
Direi adeus aos deveres
E voltarei aos prazeres.


im

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Billie Holiday - Para quem se revê neste tipo de música

Emmenez-moi

De um poeta que nos deixou muitas saudades

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos

E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.


David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

UM TEXTO PARA REFLECTIR

António Pina é uma das vozes mais críticas das políticas conduzidas pelo Governo de Sócrates. Brinda-nos com excelentes crónicas no JN.
Ontem, escreveu sobre a debandada geral dos professores, fartos de humilhações, papelada e reuniões para tratar de papelada e de avaliação burocrática de colegas:


Quem pode, foge. Muitos sujeitam-se a perder 40% do vencimento. Fogem para a liberdade. Deixam para trás a loucura e o inferno em que se transformaram as escolas. Em algumas escolas, os conselhos executivos ficaram reduzidos a uma pessoa. Há escolas em que se reformaram antecipadamente o PCE e o vice-presidente. Outras em que já não há docentes para leccionar nos CEFs. Nos grupos de recrutamento de Educação Tecnológica, a debandada tem sido geral, havendo já enormes dificuldades em conseguir substitutos nas cíclicas. O mesmo acontece com o grupo de recrutamento de Contabilidade e Economia. Há centenas de professores de Contabilidade e de Economia que optaram por reformas antecipadas, com penalizações de 40% porque preferem ir trabalhar como profissionais liberais ou em empresas de consultadoria. Só não sai quem não pode. Ou porque não consegue suportar os cortes no vencimento ou porque não tem a idade mínima exigida. Conheço pessoalmente dois professores do ensino secundário, com doutoramento, que optaram pela reforma antecipada com penalizações de 30% e 35%. Um deles, com 53 anos de idade e 33 anos de serviço, no 10º escalão, saiu com uma reforma de 1500 euros. O outro, com 58 anos de idade e 35 anos de serviço saiu com 1900 euros. E por que razão saíram? Não aguentam mais a humilhação de serem avaliados por colegas mais novos e com menos habilitações académicas. Não aguentam a quantidade de papelada, reuniões e burocracia. Não conseguem dispor de tempo para ensinar.
Fogem porque não aceitam o novo paradigma de escola e professor e não aceitam ser prestadores de cuidados sociais e funcionários administrativos.
'Se não ficasse na história da educação em Portugal como autora do lamentável 'pastiche' de Woody Allen 'Para acabar de vez com o ensino', a actual ministra teria lugar garantido aí e no Guinness por ter causado a maior debandada de que há memória de professores das escolas portuguesas. Segundo o JN de ontem, centenas de professores estão a pedir todos os meses a passagem à reforma, mesmo com enormes penalizações salariais, e esse número tem vindo a mais que duplicar de ano para ano.

Os professores falam de 'desmotivação', de 'frustração', de 'saturação', de 'desconsideração cada vez maior relativamente à profissão', de 'se sentirem a mais' em escolas de cujo léxico desapareceram, como do próprio Estatuto da Carreira Docente, palavras como ensinar e aprender. Algo, convenhamos, um pouco diferente da 'escola de sucesso', do 'passa agora de ano e paga depois', dos milagres estatísticos e dos passarinhos a chilrear sobre que discorrem a ministra e os secretários de Estado sr. Feliz e sr. Contente. Que futuro é possível esperar de uma escola (e de um país) onde os professores se sentem a mais?'

Manuel António Pina

domingo, 9 de novembro de 2008

Para recordarmos a cidade onde os flamingos amam as gaivotas

sábado, 8 de novembro de 2008

LISBOA - o rio e a ponte


Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escaracéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...


Alexandre O’Neill

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

PARABÉNS A UMA MEMÓRIA DO CINEMA NACIONAL


Quem se lembra da Canção de Lisboa? Acho que toda a gente. E não porque o La Féria a encenou há pouco tempo, mas porque este sim, deve ter sido o filme português mais visto por todas as gerações há algumas décadas. Até os meus netos, habituados a outro genéro de filmes, se riem com a ingenuidade e alegria deste. Ora a CANÇÃO DE LISBOA está de PARABÉNS. FAZ HOJE 75 ANOS. Para comemorar a data e recordarmos a sua história, aqui vos deixo o que sobre ela nos diz a Wikipédia:

A Canção de Lisboa, 1933, realizado por José Cottinelli Telmo, é o primeiro filme sonoro português, que inaugura o seu principal género cinematográfico: A Comédia Portuguesa
As suas vedetas mais famosas são: Beatriz Costa, Vasco Santana e António Silva, todos eles protagonistas de A Canção de Lisboa. Sendo o restante elenco constituido pelos actores: Alfredo Silva, Ana Maria, Artur Rodrigues, Coralia Escobar, Eduardo Fernandes, Elvira Coutinho, Fernanda Campos, Francisco Costa, Henrique Alves, Ivone Fernandes, José Victor, Júlia da Assunção, Manoel de Oliveira, Manuel Santos Carvalho, Maria Albertina, Maria da Luz, Silvestre Alegrim, Sofia Santos, Teresa Gomes e Zizi Cosme

Foi um filme que, na época, obteve grande sucesso e êxito do público, não apenas em Portugal mas também nos então territórios de Ultramar e Brasil. Esse êxito deveu-se em parte ao carácter tipicamente português das personagens e das situações que permitia a total identificação dos espectadores com o filme. E em parte à introdução de canções que rapidamente se tornaram populares, não só neste filme mas em todos os outros do género. Por isso, estas comédias são clássicos do cinema português, onde nunca se deixaram de ver e rever até aos dias de hoje. A Canção de Lisboa não é apenas pioneiro deste género cinematográfico como também um dos melhores. Por ter sido considerado um objecto de prestígio, o valor dos bilhetes foi mais dispendioso do que o habitual. O sucesso alcançado foi de tal forma retumbante, que as receitas do filme permitiram, inculsivé, pagar uma grande parte das instalações da Tóbis que se encontravan então em construção.
Para além dos actores, outros grandes nomes da arte portuguesa marcaram a produção deste filme, por exemplo, os cartazes: Nada menos que três fora concebidos por Almada Negreiros. Outra participação enaltecedora deste magnífico filme foi a de Manoel de Oliveira então no começo da sua carreira cinematográfica como realizador, aparece neste filme como actor, interpretando Carlos, o melhor amigo do actor principal Vasco Santana.
A Canção de Lisboa, pilar do cinema portugês, ironicamente não foi relizado por um cineasta mas sim por um conhecido arquitecto José Cottinelli Telmo, tendo aliás sido o único filme por ele realizado. O uso do espaço em Lisboa, tanto em cenários de estúdio como em cenários naturais, é característico da sabedoria de um arquitecto. Por todos este motivos A Canção de Lisboa é um clássico e ao mesmo tempo um filme único que ficará para sempre como marco e testemunho da evolução cinematográfica portuguesa.

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Olha ó balão!

Para Iara, que não me conhece, me escreveu e fez uma pergunta

A canção de que me pediu a versão original é uma adaptação de um dos andamentos do Concerto de Aranjuez do compositor espanhol Juaquin Rodrigo que o compôs em 1933. Em 1967, Gui Bontempelli escreveu a letra para o referido andamento. Chamou-lhe "Aranjuez, mon amour" e foi cantada pela primeira vez em 1967 por Richard Anthony. Aqui lhe deixo a versão original. Já agora ouça e reenvie-a para alguém de quem goste muito

Aranjuez, Mon amour - Richard Anthony

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

RECORDAÇÕES



Desde que me conheço que gosto de cinema. O meu gosto era muito lato e via tudo (desde que não fosse de terror) com uma preferência especial pelos filmes românticos. Perante o grande cinema internacional, o português era de uma ingenuidade espantosa, de técnica e argumento. Contudo eu, como tanta gente da minha geração, via -o e revia-o dezenas de vezes e quando, connosco já adultos, eles aparecerem em Cd convenientemente recuperados, comprámos todos quantos apareceram e toca de os mostrar aos netos, porque os filhos já os tinha sido obrigados a ver na TV, normalmente por altura do Natal. Eu tinha os meus artistas favoritos, mas sobretudo os pares favoritos. Entre estes estavam o Virgílio Teixeira e a Milú. Eram um espanto de gente linda. Aspirei a ser como a Milú, quando fosse grande. Não consegui ser tão bonita nem saber cantar, factos que me provocaram uma desilusão profunda. Os posts que se seguem são a minha pequena homenagem a essa mulher que deu tanto prazer aos meus olhos e ouvidos. Que descanse em paz

"A MINHA CASINHA" - MILÚ

MORREU HOJE "MILÚ", A DESEJADA NOIVA DE ALGUMAS GERAÇÕES DE PORTUGUESES


Maria de Lurdes de Almeida Lemos
conhecida apenas por MILU
(1926)

Actriz de cinema e teatro de revista portuguesa. Estreou-se aos doze anos no filme "Aldeia da Roupa Branca" ao lado de Beatriz Costa. Extremamente bonita e fotogénica, encantou gerações de portugueses e portuguesas, podendo, sem favor ser comparada às "estrelas" de Hollywood. Foi também uma presença assídua na rádio, onde começou aos dez anos a cantar. Em 1942 é a "Luisinha" no filme "O Costa do Castelo", de Artur Duarte, e a sua voz imortalizou a música "Minha Casinha" mais tarde reinterpretada pelo conjunto musical "Xutos e Pontapés", com enorme sucesso. Outro sucesso foi "Cantiga da Rua". Casou pela primeira vez, em Dezembro de 1943, aos dezassete anos. Lisboa despovoou-se para ir ver a noiva à igreja de São Sebastião da Pedreira. Interrompeu a sua carreira artística, mas os e as fãs obrigaram-na a regressar. E mais sucessos se seguiram, numa das épocas mais criativas do cinema português: "Cantiga da Rua","O Leão da Estrela", em 1947, "O Grande Elias", em 1950, entre outros. Foi sem sombra de dúvida "a namoradinha de Portugal". As revistas de cinema e quase todas as outras escolhiam-na para capa, pois a sua beleza deslumbrava. Fez teatro de revista no Teatro Avenida, nomeadamente em "Ó Rosa Arredonda a Saia" e no Teatro Variedades com "A Vida é Bela" e entrou em alguns filmes em Espanha, nos anos de 1943 e 1946. Casou, pela 2ª vez em 1960 e viveu no Brasil até 1968, tendo actuado na televisão brasileira, esporadicamente. A sua última aparição em cinema foi em "Kilas o Mau da Fita", de José Fonseca e Costa, em 1980.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

REGRESSO

A gaivota voltou.
Trazia nas asas a fadiga da viagem
E no corpo marcas de muitos mares.
Vinha não sabia de onde.
Um temporal repentino
Que não conseguira pressentir
Arrastara-a para longe
Para locais por onde nunca passara
Mesmo quando, por curiosidade,
Viajava no alto do mastro dos navios
Que saíam do porto
Demandando terras estranhas.
Nunca se afastava muito.
Quando deixava de ver o seu areal,
Temendo que a viagem fosse longa
E a afastasse do seu bando,
Logo levantava voo
E regressava à praia de onde partira.

Desta vez fora diferente.
Embrulhada no vento e na chuva
Perdera a sua rota.
Tivera que gastar tempo e forças
Para encontrar uma marca,
Apenas uma, que lhe servisse de farol.
Os dias passaram,
As marés mudaram,
O temporal acabou.
E quando o sol voltou a brilhar
Escolheu o primeiro barco que passou
E que lhe cheirou à praia de onde partira.
Voou para o mastro mais alto
E desejou que ele a trouxesse de volta.

Foram dias de espera
De estudo do horizonte
E de pequenos voos de observação.
Um dia amanheceu a sentir-se em casa.
Ouvia toques de navios conhecidos
E traineiras a entrarem no porto.
Levantou voo,
Foi batendo as asas devagarinho
Ao compasso da esperança de chegar.
O seu corpo
Desenhou sombras
Sobre um areal extenso
Desabitado àquela hora.
Não viu o bando
Mas sentiu que chegara.
Quando pousou,
Morta de cansaço,
Recebeu o presente
De o fazer no calor
De um certo acolchoado de penas
Que lhe deram a certeza
Que mais do que estar em casa
Não estava só.


gm