quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A Cidade e as serras" (excerto da chegada de Jacinto a Tormes)

Com que brilho e inspiração copiosa a compusera o divino Artista que faz as serras, e que tanto as cuidou, e tão ricamente as dotou, neste seu Portugal bem-amado! A grandeza igualava a graça. Para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão copados e redondos, dum verde tão moço, que eram como um musgo macio onde apetecia cair e rolar. Dos pendores, sobranceiros ao carreiro fragoso, largas ramarias estendiam o seu toldo amável, a que o esvoaçar leve dos pássaros sacudia a fragrância. Através dos muros seculares, que sustêm as terras liados pelas heras, rompiam grossas raízes coleantes a que mais hera se enroscava. Em todo o torrão, de cada fenda, brotavam flores silvestres. Brancas rochas, pelas encostas, alastravam a sólida nudez do seu ventre polido pelo vento e pelo sol; outras, vestidas de líquen e de silvados floridos, avançavam como proas de galeras enfeitadas; e, de entre as que se apinhavam nos cimos, algum casebere que para lá galgara, todo amachucado e torto, espreitava pelos postigos negros, sobre as desgrenhadas farripas de verdura, que o vento lhe semeara nas telhas. Pôr toda a parte a água sussurrante, a água fecundante... espertos regatinhos fugiam, rindo com os seixos, de entre as patas da égua e do burro; grossos ribeiros açodados saltavam com fragor de pedra em pedra; fios direitos e luzidios como cordas de prata vibravam e faiscavam das alturas aos barrancos; e muita fonte, posta à beira de veredas, jorrava pôr uma bica, beneficamente, à espera dos homens e dos gados... Todo um cabeço pôr vezes era uma seara, onde um vasto carvalho ancestral, solitário, dominava como seu senhor e seu guarda. Em socalcos verdejavam laranjais rescendentes. Caminhos de lajes soltas circundavam fartos prados com carneiros e vacas retouçando: - ou mais estreitos, entalados em muros, penetravam sob ramadas de parra espessa, numa penumbra de repouso e frescura. Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze casebres, sumidos entre figueiras, onde se esgaçava, fugindo do lar pela telha vã, o fumo branco e cheiroso das pinhas. Nos cerros remotos, pôr cima da negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espelhava alegria e força. Um esparso tilintar de chocalhos de guizos morria pelas quebradas...Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava:

-Que beleza!

E eu atrás, no burro de Sancho, murmurava:

-Que beleza!

Frescos ramos roçavam os nossos ombros com familiaridade e carinho. Pôr trás das sebes, carregadas de amoras, as macieiras estendidas ofereciam as suas maçãs verdes, porque as não tinham maduras. Todos os vidros duma casa velha, com a sua cruz no topo, refulgiram hospitaleiramente quando nós passamos. Muito tempo um melro nos seguiu, de azinheiro a olmo, assobiando os nossos louvores. Obrigado, irmão melro! Ramos de macieira, obrigado! Aqui vimos, aqui vimos! E sempre contigo fiquemos, serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras!



EÇA DE QUEIRÓS

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Sonho Impossível - Maria Bethania

Sou uma espectadora de mim mesma e da vida

Por causa de ...

Por causa de um livro
vieste ao meu encontro.
Era Verão, não sabias de nada
nem isso interessava. Palavras
amavam-se fora de ti,
no atropelo das emoções.

Lá chegaria a primeira vez,
o encontro apressado num lugarpúblico.
Desfeito o erro
ao toque da pele, não sei
se havia medo, a paixão queria-me
no lugar exacto do teu coração.

Palavras enrolam-se na sombra
da vida a dor do sentimento.
Atingido o espírito, o tempo

da infância, a realidade.

Em ti a solidão que o prazer não mata.
Quero a beleza dos versos revelada.

Alguns anos passaram sobre a nossa história que não acabou.
A tarde envelhece e escrevo isto
sem saber porquê.

Isabel de Sá

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

The Bridges of Madison County_I finally found someone

De Tormes...

O QUE FICA

28.8

De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre a começar...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que iremos ser interrompidos
Antes de terminar...

Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...


Fernando Pessoa

domingo, 26 de agosto de 2007

As Time Goes By

Isto é uma canção de culto que evoca muitos momentos especiais...

MÚSICAS DE CULTO


Deveria ter aí uns 4 anos quando a mina mãe me pôs a aprender piano. Era minha professora a saudosa Sra. D. Arminda, irmã do Sr. Albano da Casa Albano. Creio que já vos falei disto há uns tempos e portanto não vou perder tempo a contar-vos a desgraça que aqueles momentos de estudo e aprendizagem eram para mim. Muitos anos depois assumo que não tinha jeito nenhum para o instrumento. Acho que gostar, gostava. E gosto ainda, e muito, mas tocado por quem o sabe fazer correctamente. Isto não quer dizer que a música me passasse ao lado. Antes pelo contrário. Nasci em casa dos meus padrinhos (tios do nosso querido conterrâneo Dr. Lobão) na Av. da Boavista onde abundavam teenagers da época. Passava tanto tempo naquela casa (o meu pai levava-me de manhã quando ia ao Porto buscar artigos para as suas lojas e ia-me buscar com a minha mãe á noite, já depois de jantar) que ainda hoje sonho com ela, se bem que ela tivesse sido demolida há cerca de 50 anos. Um dos prazeres mais partilhados por toda a gente da Boavista, sobretudo pelos mais novos, era a música. Passavam-se as tardes a ouvir rádio, daqueles belíssimos aparelhos, mas que faziam uma barulheira enorme antes de arrancarem, mas sobretudo a velha grafonola, ainda de agulhas de agulhas e manivela. Decorriam os anos 40. A guerra acabara e ainda andavam no ar as músicas do Glenn Miller, do Gershwin, do Cole Porter. Cresci ao som daquelas harmonias que eram muitas vezes dançadas em dias festivos. Ainda hoje são as minhas favoritas em qualquer baile. E ouço-os ao longo do dia, guardadas que as tenho no computador e no Ipod.
Tive a sorte de ser jovem nos anos 50/60, que devem ter sido dos mais ricos em produções de músicas ligeiras, aquelas que alimentaram os bailes de garagem, salões dos bombeiros, queimas de fitas e sobretudo namoros. Quem dessa geração não se lembra da força com que a música italiana entrou nos nossos hábitos? E o sucesso da francesa? E a seguir tivemos os Beatles…. E depois os Stones, etc, etc. etc. Por volta dos meus 15 anos ganhei o primeiro gira-discos. Corri logo a comprar aquele que foi o meu disco nº1, em Vynil. Era de 45 rotações e de música do Aznavour. Foi o meu primeiro cantor de culto francês a que rapidamente juntei o Bécaud e a Piaf. Dos americanos fiz uma boa colecção de discos do Nat King Cole, do Frank Sinatra, do Tony Bennett… Será difícil aqui registar todos. Ainda hoje passo os dias com música de fundo, de blues a canções românticas, bandas sonoras de filmes, como a das Pontes de Madison County, Filadélfia, e muita, mesmo muita música brasileira. Tenho pilhas de Cds e discos de Vinyl arrumados e parados por avaria na borracha do prato, mas que um dia, muito em breve será reposto em funcionamento. E o mais interessante de tudo isto é que é um prazer partilhado pela família., do mais novo aos mais velhos. Há um ano as netas fizeram uma festa de anos especial ao avô. A música de fundo que tivemos foi de primeira escolha e, para meu espanto, da responsabilidade delas. Foi uma agradável surpresa verificar o cuidado com que fizeram a selecção que foi do agrado de todos, sobretudo do homenageado. Considerando que ambas são adolescentes revelaram uma apurada sensibilidade musical.
De todas as músicas que tenho gravado há algumas que tocam mais. São as minhas canções de culto. A lista é enorme. Ouço-as em função do dia e da disposição. E até já escolhi as que quero que me toquem quando chegar o momento da minha partida. Estão gravadas e prontas. Neste momento ando virada para a música brasileira. Há valores tremendos naquela sonoridade. De Chico a Caetano, de Gal a Ana Carolina filha da saudosa Elis. Mas de culto, mesmo de culto, quase de ouvir de joelhos, é Betânia, em qualquer canção. Já a vi várias vezes, mas ao ouvi-la, sozinha em casa, sinto-me tão arrepiada como quando a tenho em palco. Querem experimentar? Ouçam-na quando ela mistura a sua música com poesia de Pessoa. Já tem, uns anos, mas vale sempre a pena… porque a nossa alma fica bem mais quente.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Ana Carolina - Rosas

O título diz tudo. Beijo para o dia 24

Para a minha filha num dia especial para nós

Ainda semente
conheceste os largos horizontes da Filosofia.
Desabrochaste em amor
numa cálida noite de Verão
a fazer lembrar os luares mediterrânicos.
Cresceste ansiosa
entre a dúvida e o saber
em busca do lugar certo no mundo possível.
Floriste na realização do teu querer
e da humanidade que não escolheste,
mas te doei.
Aprendeste a lição.
Em ti encontrei o segredo da pedra filosofal.
O teu existir é também a minha História.

EU

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Maria Bethânia e Hanna Schygulla (02) - La vie en rose

Uma música de culto em tarde de verão

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Gaivota

Uma canção de culto

sábado, 18 de agosto de 2007

GAIVOTA

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill

UM PORTO DE FADO


No fim-de-semana de 11 e 12 deste mês tive a oportunidade de assistir a dois concertos de fado inesquecíveis. Porque foram quatro os intervenientes, eu prefiro chamar-lhe momentos de fado. Organizados pela Casa da Música decorreram no seu exterior, no espaço que é conhecido por Praça. A ideia é óptima: o espaço é grande, vê-se e ouve-se bem de qualquer lado, só que se esqueceram que os verões tripeiros não são os algarvios. Organizar um espectáculo ao ar livre no Porto é sempre um risco. E a primeira noite foi propícia a umas quantas constipações se não pneumonias, porque além do nevoeiro corria uma brisa assim a parecer vento que enregelou muita gente. Eu por acaso fui preparada e lá me safei… Nessa primeira noite actuou em primeiro lugar um muito jovem e promissor guitarrista, Ricardo Parreira que tocou as músicas inseridas no seu novo álbum denominado “ Nas veias de uma guitarra” que dedica por inteiro ao mestre da viola Fernando Alvim, que o acompanhou no concerto. Começando pelas guitarradas de Coimbra, passou pela sonoridade de Carlos Paredes e não ficou nada mal, terminando com o fado de Lisboa. A segunda parte foi integralmente preenchida por uma fadista que já é uma realidade, mas que eu não conhecia- Ana Moura. Vi-a num flash televisivo a quando do concerto dos Rolling Stones, em que ela cantava uma canção, creio que o Temptations. Possuidora de um instrumento vocal poderosíssimo e de que usa e abusa, tem uma atitude em palco muito pouco comum e de uma sensualidade espantosa. Ganhou mais uma fã: eu.
A segunda noite, mais quente e sem vento, possibilitou um concerto em cheio. A iniciá-lo uma voz para mim desconhecida: Raquel Tavares. Com 22 anos, ganhou um Prémio Revelação Feminina (fundação Amália Rodrigues) em 2006. É uma fadista diferente de Ana Moura. Enquanto a primeira evoca grandes salas de concertos, esta puxa à intimidade das casas de fado onde o fado castiço rola de mesa em mesa. Gostei e tenho de descobrir onde ela canta em Lisboa.
O segundo momento dessa noite foi o MOMENTO. Julgo que para todos os presentes. Para mim foi-o de um modo especial. Sou fã de Carlos do Carmo desde o seu aparecimento. Temos em comum a idade e o casamento: casamos na mesma semana, com poucos dias de diferença. Ele apareceu numa altura em que se discutia muito que o fado iria acabar, que quando morresse a Amália, o Toni de Matos, a Hermínia Silva, a D.Teresa de Noronha, etc… não haveria quem os substituísse e o fado cairia por si. Erro total! Vivemos um momento de pujança do fado. E todos os seus cantores muito jovens, portanto com uma longa esperança de vida à sua frente. E a mocidade começa a perceber que o fado tem algo especial e vai ouvir fado. Eu também passei pela minha fase do não ao fado, mas converti-me e até tenho no meu leitor de MP3 alguns fados. Mas voltemos a Carlos do Carmo. Como fui cedo (naquele espaço não há lugares marcados) fiquei na primeira fila.Vira-o ao vivo há meia dúzia de anos, na primeira vez que ele veio ao Porto após as suas operações nos Estado Unidos. Estava magro, mais débil, mas a voz não me parecera alterada. Fez nesse concerto uma coisa que me arrepiou: cantou à capela o fado “Por morrer uma andorinha” no meio da plateia do Coliseu. Nesta noite brindou-nos com uma estreia: a maquete do seu novo disco em que irá cantar fados tradicionais de Armandinho, Joaquim Campos e Marceneiro com poesia nova de autores como M. do Rosário Pedreira, Fernando Pinto do Amaral, Nuno Júdice, José Manuel Mendes, Júlio Pomar e Luís Represas. Foi um êxito cada uma delas. Para não nos cansar entrecortou -as com alguns dos seus fados mais conhecidos que toda a plateia acompanhou. Subiu ao palco duas vezes no final e deixou-nos embevecidos. Parabéns à Casa da Música. E podem repetir.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A nossa terra - Leça da Palmeira


A nossa terra
é terra de sol e mar,
de manhãs de nevoeiro
e tardes de nortada;
de gente simples
que amanhou a terra,
desbravou as ondas
e chorou os mortos
em madrugadas de naufrágio.

A nossa terra
é a terra do "sol-pôr"
do rio "que corria" manso,
de capelas e alminhas ao virar da esquina,
onde cada devoto se benze ao passar
e os santos são padroeiros de todos.

Na nossa terra
as ruas contam histórias
e as casas guardam a memória
dos ingleses que por cá ficaram,
e dos homens que abalaram para os "Brasis".

É bonita porque é nossa,
Esta terra de poetas
cujos "versos lembram azas de gaivotas"

Isabel Lago